segunda-feira, 29 de novembro de 2010

O campeão de Bilbao

UM

E, de repente, tudo acaba. Topalov aperta a mão de Ivanchuk, assina as planilhas e levanta de sua cadeira. Não olha para nada e nem para ninguém, mas vira e se inclina para pegar seu paletó. Ainda não é capaz de assimilar tudo isso: ele venceu duas vezes o Mozart do xadrez, venceu o campeão mundial e acabou de vencer um dos melhores jogadores do ano. Terão que lhe entregar um cheque no valor suculento de cento e cinquenta mil euros. Topalov começa a caminhar pelo corredor. Antes de sair, no entanto, olha para uma das mesas. Aronian e Radjabov continuam jogando. Mas ele não se importa. Nada disso pode ser importante. Do lado de fora da caixa de vidro estão todos esperando por ele.


DOIS

As pessoas estão amontoadas atrás do vidro. São crianças e idosos, mulheres com seus maridos e mulheres desacompanhadas e também algum curioso que passa por ali. Algum curioso que não sabe do que se trata. Ouviu na televisão, ficou sabendo que na Praça Nueva Bilbaína, de que se passasse pela tarde... Nesse dia,  se lhe ocorresse de olhar para essa agitação toda... pessoas olhando para alguns enxadristas por detrás de um vidro? Realmente, pode acontecer algo assim? Não será uma daquelas brincadeiras bobas? Alguma pegadinha de um fanático por Monty Python?

É por isso que naquele dia decidiu dar um passeio, caminhar em direção à praça e ver o que acontecia. E, de fato, na praça há uma enorme caixa, e um amontoado de pessoas ao redor da caixa como se fossem uma cortina humana; há também um palco elevado, onde um homem careca fala em um microfone. O curioso, e definitivamente intrigado, decide se aproximar da caixa de vidro. Porém, enquanto se aproxima, não pode deixar de pensar nisso: alguém vai agarrá-lo pelo ombro e lhe dizer: "Senhor, desculpe-me, este é um set de filmagem. Será que não percebeu que todos são atores? Vamos, homem, você realmente acreditou que tal coisa podia estar acontecendo? As pessoas se reuniriam para olhar alguns tipos moverem algumas peças?" . Ele pensa em tudo isso enquanto se aproxima da cortina humana. Entretanto, nem por isso deixa de andar.

Nesse momento, um homem de terno azul escuro, camisa azul celeste e gravata rosa, sai por uma das portas. Nesse momento, enquanto o homem sai, um grande número de crianças redemoinham ao seu redor com folhas e canetas. O curioso acelera o passo. A ansiedade para se inteirar do que está acontecendo é enorme.


TRÊS

E Topalov, num gesto mecânico, endireita a gravata. Esta gravata rosa de que tanto lhe lisonjearam. E Topalov gosta de elogios, gosta que lhe digam: "Homem, você é um gênio". Ele adora a forma como essa palavra soa, essa maneira rude e amigável que tem os espanhóis de pronunciar "hombre". Então, quando ele sai da vitrine de cristal e, ao ver aquelas crianças todas, com suas folhas e canetas, não pode menos do que aumentar seu sorriso. Acaba de ganhar um dos torneios mais importantes de sua vida, pensa. Acaba de fazer história. E, sem deixar de sorrir, decide assinar todos os autógrafos que forem necessários.

QUATRO

O curioso pára antes de aproximar-se mais. Duas pessoas bastante acabadas, de cabelos brancos e rugas centenárias, apontam para um homem. "Esse aí é o campeão", dizem. E o curioso pode ver como esse homem sobe no palco, pega um microfone e começa a falar. Só então se dá conta. Aquele ruído que escutava era uma voz. E, agora, de repente, ouvia-se também outra voz. Uma voz mais aguda. Não é a voz do mesmo homem que acabou de sair da caixa de vidro? Aquele que esteve junto a esse montão de garotos?

Todas as pessoas olham nessa direção. Muitos apontam o dedo. Algumas trocam palavras silenciosas como se trocassem entre si pequenas caixas envoltas de mistério. Mas, quando a voz aguda fala, quando o homem com a gravata rosa começa a responder as perguntas do outro homem, esse sem cabelo e de voz grossa, o silêncio torna-se absoluto. É como estar no fundo do mar: porque não existe sequer um murmúrio. O curioso sente todo poder contido nessas palavras, toda força que gera esse silêncio que, subitamente, como uma tempestade caindo de forma inesperada, se forma em toda praça. O curioso sente algo que não consegue identificar.

Então, quando retorna para sua casa à noite, quando, somente à noite, se lembra de como escutou aquelas palavras e de como aplaudiu junto com todos, e quando recorda ter se aproximado da caixa de cristal e ter visto esses dois homens movendo as peças, juntamente com muitas pessoas que murmuravam movimentos e combinações, quando, à noite, jantando, lembrou-se de tudo isso, o curioso fica a pensar: nada mal. Não foi nada mal.



De Pablo F. Gowezniansky
Tradução Carlos Rodrigues
Revisão Tiago A. dos Santos

(O texto original em espanhol foi publicado em Peon Ocho, em 17/09/2008, clique aqui para ler)

Um comentário:

Tads disse...

Ola, Daienne! Obrigado. Continue nos visitando sempre! :-)

abraços,

Tiago

Lances Finos