terça-feira, 26 de novembro de 2013

Entrevista com Magnus Carlsen

O novo campeão mundial de xadrez GM Magnus Carlsen, 22 anos, da Noruega, concedeu sua primeira entrevista exclusiva após a conquista do título, para os jornais El País, The Hindu e Frankfurter Allgemeine, no último domingo, 24 de novembro. 

No El País, o jornalista Leontxo García publicou o texto a seguir, traduzido do espanhol para o português pela Rádio Xadrez.

A chegada de Carlsen ao aeroporto de Oslo, na Noruega, é aguardada para amanhã (quarta-feira), 27 de novembro, quando o campeão tem uma extensa agenda para atender a toda a imprensa mundial.

“A experiência é superestimada”
Por Leontxo García, El País
Tradução Tiago A. dos Santos

Entre Garry Kasparov (Baku, Azerbeijão, 1963) e Magnus Carlsen (Baerum, Noruegua, 1990), existem unicamente dois, porém muito fortes, pontos de conexão: o infinito amor pelo xadrez e a enorme capacidade mental. O russo é a própria paixão em luta, lembrado por objetivos grandiosos e como número um durante 20 anos seguidos (1985-2005), com uma disciplina militar. O norueguês exibe a eficácia de um computador, tem os pés no chão e vive de forma simples, trabalhando quando quer.


Sabe-se que Carlsen agüentou apenas um ano e meio com Kasparov como treinador, o que mostra porque o comportamento de ambos, ao ganharem o título de campeão mundial com a mesma idade (22 anos), foi tão diferente. 

Em 9 de novembro de 1985, Kasparov falou com a imprensa por grande parte da noite. Na última sexta-feira (22/11), depois de derrotar invicto ao pentacampeão indiano Viswanathan Anand, por 6,5 a 3,5, Carlsen passou a noite jogando pôquer com sua equipe, e dedicou o sábado e o domingo para partidas de futebol e basquete com os jornalistas noruegueses, sem dar uma única entrevista mais longa. 

Ontem (24/11), por fim, depois de receber a tradicional coroa de flores dos campeões - bem como o 1 milhão de euros a que tinha direito - e superar a multidão de fotógrafos e cinegrafistas indianos, que por pouco o atropelaram, ele se sentou para uma entrevista mais longa, com os jornais El País, The Hindu e Frankfurter Allgemeine.

O que é pior para você: trabalhar intensamente com Kasparov ou atender aos jornalistas?
Magnus Carlsen: É verdade que não tenho cooperado muito com vocês da imprensa desde sexta, mas é porque eu estava exausto depois de tanta pressão.

Um “crocodilo com chip”. Aceita essa definição para você mesmo?
MC: Sim, está boa, e suponho que soe bem em espanhol também. O crocodilo é meu animal favorito, deitado sob o sol enquanto observa suas presas, sem ninguém atacá-lo.

Porém o chip leva certa contradição: você disse que treina muito menos com computadores do que as pessoas pensam, mas você também admitiu que tem um supercomputador em casa, e que o acessa a distância diariamente pelo seu notebook.
MC: É verdade, mas quem trabalha com o supercomputador são meus segundos. Eu primeiro analiso as ideias básicas de uma posição, sem computadores, e dou instruções para eles. Depois, eles me passam as variantes que analisaram com a máquina e eu as estudo mais profundamente. Creio que nisso me destaco de Anand, pressupondo que agora sou melhor enxadrista do que ele. Anand prepara variantes de aberturas que lhe dão vantagem com ajuda de computadores, e as joga de memória. Eu procuro por ideias que me permitam sair dos caminhos mais conhecidos, evitando que ele consiga essa vantagem e impedindo que lhe seja útil o que tem decorado de memória. Contento-me em ficar em uma posição igualada depois da abertura e, a partir daí, começar a pressionar.

Essa forma de invalidar a preparação de aberturas é incomum na elite. Você se considera um revolucionário do xadrez?
MC: Sim, um pouco. Mas desde que os computadores de xadrez se tornaram muito fortes existe certa tendência de outros jogadores evitarem as jogadas mais recomendadas por  eles e buscar outros caminhos, ainda que fiquem com menos vantagem. E como é óbvio  que eu sou mais forte do que a maioria no meio-jogo e no final, não me importo em pagar o preço de chegar ao meio-jogo sem nenhuma vantagem aparente.

Por que você não revela o nome dos seus segundos? Essa é uma decisão sua ou deles?
MC: Minha. Porque, dentro de um ano, terei de defender o título e prefiro mantê-los em segredo. Mas quero deixar bem claro que estou muito satisfeito com o magnífico trabalho que eles fizeram.

Qual foi a principal razão de sua vitória contra Anand?
MC: A grande experiência dele foi vista nas três primeiras partidas, quando eu estava nervoso. Depois disso, adaptei-me e comecei a cumprir minha meta: fazer 40 ou 50 lances bons em cada partida, durante horas, sem aceitar empate, apesar de estar em posições igualadas. Eu sabia que Anand não aguentaria tanta pressão, sem errar em pelo menos duas partidas, e que eu, se jogasse o meu máximo, não perderia nenhuma. A experiência é superestimada. De fato, Anand já tinha jogado matches bem duros, mas cada um tem sua própria história. Depois do tão difícil que foi para mim vencer o Torneio de Candidatos e chegar ao posto de desafiante, eu estava disposto a doar-me por inteiro em cada partida. No fim, foi mais fácil do que eu esperava.

Para ser número um do mundo durante 20 anos seguidos, Kasparov teve de dar sempre prioridade ao xadrez acima de tudo, incluindo sobre seus filhos e sua vida pessoal. Você se vê fazendo a mesma coisa?
MC: É muito difícil dizer como será minha vida agora, mas tenho a intenção de manter-me sempre motivado, durante muitos anos. Considerando que os últimos meses foram só sobre xadrez, agora quero equilibrar um pouco com outras coisas, e depois ver o que acontece.

Quanto você deve ao seu pai pelo título de campeão mundial?
MC: Devo muito. Estou muito agradecido pela forma como ele me educou e por não pressionar-me quando percebeu que, aos 5 anos, eu não gostava de xadrez o mesmo tanto de que ele gostava. Meu conselho aos pais de jovens talentos, em qualquer área, é que tratem seus filhos como eu fui tratado: sem pressão, deixando-os em paz, mas estando próximo quando eles precisarem.

Você sente alguma responsabilidade em contribuir com o desenvolvimento do xadrez e com sua utilidade como ferramenta educativa?
MC: Sem dúvida. Já estou envolvido com isso, em diversas iniciativas. O xadrez é maravilhoso para as crianças em dois sentidos, como esporte e como ferramenta educativa por causa dos enormes benefícios que traz.

Faz pouco tempo que você se mudou e não mora mais com seus pais. Como é sua casa nova? Você já tirou a carteira de motorista ou contratou um motorista particular?
MC: No momento só tive tempo de levar minhas roupas e alguns livros de xadrez. Quero tirar a carteira de motorista no próximo verão, quando terei tempo de ficar em casa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Fantástico jogador, acompanhado com interesse há mais de dez anos. Felicitamos pela merecida conquista.

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